sábado, 12 de fevereiro de 2011

Enfim.

Acompanhar a história sendo feita, ali na sua frente, é um privilégio que acontece de tempos em tempos. E nesta sexta-feira presenciamos um importante capítulo sendo escrito na história mundial. O faraó, como os egípcios chamavam Mubarak, caiu. Após quase vinte dias de grandes manifestações e pressões internacionais, o ditador múmia arregou e levou junto sua cópia, o vice Suleiman.

Um feito extraordinário fruto da mobilização e resistência do guerreiro povo egípcio. E essa febre de luta já contaminou outros países e podemos ter uma onda de revoluções no mundo árabe ao longo do ano. Síria, Jordânia, Arábia, Argélia e Iêmen poderão passar pela transformação iniciada pela Tunísia.

Agora o Egito fica sob comando de uma junta militar que irá dissolver o parlamento e o congresso, levantará o estado de emergência imposto há 30 anos e chamará eleições para Setembro (já prevista) onde promete combater tentativas de fraude. Pode parecer estranho para nós brasileiros, que já vimos coisa parecida em 64, imaginar que milico no poder possa ser sinal de progresso. Contudo o comando do exército se tornou notório por, ao contrário da polícia, permitir as manifestações e em certos momentos demonstrar clara intenção de não apoiar Mubarak. O próprio alinhamento do exército aos anseios populares e não divagando entre o apoio irrestrito ao líder máximo e nem insurgir em um golpe, transparece uma perspectiva progressista das forças armadas. Esse mesmo comando se posicionou contrário a solução de Washington de fazer Mubarak transferir todo o poder ao vice. Deu no que deu. As massas continuaram nas ruas e a múmia não aguentou a pressão.

A força popular impressionou não somente pela resistência aos ataques da polícia e dos partidários de Mubarak, mas principalmente por ter se organizado sem uma liderança cooptadora. O movimento popular, insurgente, revolucionário, nasceu da insatisfação do povo e se fortificou na convergência de desejos e aspirações mútuas. Óbvio que a colaboração da Fraternidade Islâmica foi significativa, mas em nenhum momento se apresentou como frente. A unidade popular rompeu diversas barreiras. Estudantes, trabalhadores, desempregados, cristãos e muçulmanos, em uníssono gritaram contra a opressão, a miséria e o desemprego. 'Vamos arrancá-lo daí', era o que se ouvia na Praça Tahrir.

Apesar do claro apoio dos Estados Unidos e Israel ao ditador, travestido pelos últimos discursos de Obama em apoio ao povo egípcio, na verdade ambos se viram aliviados com a saída de Mubarak, pois como dito em minha postagem anterior quanto mais Mubarak retardava sua saída, mais difícil ficaria para ambos os países construírem apoios políticos no governo egípcio.

Mesmo que a renúncia tenha sido um bom negócio, será difícil a manutenção do status quo representado pelo alinhamento sistemático egípcio às políticas externas norte-americana e de Israel. E uma primeira mudança neste sentido poderá consistir no desbloqueio a Gaza permitindo o trânsito de pessoas e bens à região pela fronteira em Rafah, contrariando os interesses israelenses. Em consonância com os interesses de liberdade, o fim da polícia secreta que promove perseguição à opositores, também já é sinalizada como certa.

Agora os acontecimentos pós renúncia precisam ser acompanhados atentamente, pois mesmo considerando que a junta militar possa encaminhar o país, em brancas nuvens, até Setembro não é aconselhável que se deixe as coisas fluírem ao vento. Em momentos pós crise, quando o Estado ainda encontra-se gelatinoso, podem surgir brechas para coisas piores emergirem e de assalto cooptarem o resultado da luta das massas. No mais, a vitória tem de ser comemorada por todos que creem na força de vontade de uma nação e que este se sobrepõe a qualquer interesse interno ou externo que coloquem em cheque a sobrevivência e a liberdade do povo.

Parabéns à Nação Egípcia !

Nota 1: Bem que poderíamos trazer uns egípcios pra cá. Mas tenho receio se nosso imobilismo e pacifismo covardes possam contaminá-los. Nossa historia diz sobre nós. No único momento de ação popular sobre o poder instituído (luta armada contra a ditadura) é mau visto por grande parte da população que defende a volta dos militares ao poder. Será que o lema de câmara cascudo é realmente correto? ‘O melhor do Brasil é o brasileiro?’

Nota 2: Como a história muda depressa. Na manhã seguinte ao ‘Dia do Fico’ de Mubarak, eu comecei a escrever um texto sobre a decisão do ditador no ônibus a caminho do trabalho, mas à tarde ele resolveu entregar o cargo. Ou seja, tive de começar outro texto, mas aqui escrevo o trecho que consegui realizar.

Larga o osso Mubarak !

Obama disse que haveria a possibilidade de Mubarak renunciar nesta Quinta-Feira. Milhões de pessoas se juntaram às outras milhões que estavam nas ruas para ver e ouvir o pronunciamento do presidente e vibrar quando este jogasse a toalha. Mas sabe aquela sensação de ver seu time perdendo uma final de campeonato em casa (tipo: Flamengo x Santo André, Fluminense x LDU, Botafogo x Juventude e Vasco x Corinthians), os egípcios devem ter sentido algo bem pior.

Classificando-se como um grande pai falando aos filhos, Mubarak disse ao povo que 'fico'. Também afirmou que passará parte de seus poderes (sem dizer quais) para o vice, o que na prática não diz muita coisa, pois, este é um de seus maiores aliados.

O presidente se garantiu no poder até Setembro quando irão ocorrer eleições, segundo ele, sem os entraves que impediam um processo eleitoral justo. Uma admissão de fraude explícita e absurda. Nada muito grave para quem está acostumado com o Brasil.

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