Dono de um currículo que conta com outras duas obras
baseadas em ícones da literatura mundial, Wright optou por ambientar a Rússia
imperial do século XIX no interior de um velho teatro objetivando com isso
explorar o conceito da encenação de rígidos papéis no interior da sociedade
russa da época. Papéis estes encenados como em uma peça teatral.
Concepções artísticas, principalmente no que tange a
cenografia, que fogem do lugar comum, fascinam amantes da 7ª arte. Um exemplo é 'Dogville’ no qual toda a trama se passa em um galpão com marcações no
chão que identificam os cenários. A coragem em se enveredar por tais escolhas
não pertence, obviamente, a todos os cineastas. Raros é o talento para a condução de tais projetos. A possibilidade das tramas ficarem
subjugadas às suas inovações e perderem-se em si mesmas é grande
e facilmente diretores caem em armadilhas de seus próprios conceitos. Aos menos
acostumados ou mais puritanos, a estética pode incomodar de início, mesmo que
não exatamente por ela em si, mas, sobretudo porque prejudica um tanto a identificação dos personagens, uma vez que não há uma relação clara sua com um ambiente específico. No entanto à medida que o tempo passa, com o
aprofundamento da trama, o espectador é levado para dentro da história e ganha
familiaridade com os personagens.
Essa abordagem estética pouco usual foi, obviamente, alvo de
diversas críticas, porém a maior parte acerca de uma possível falta de
profundidade com que a história é tratada e superficialidade no trato dos
personagens. Devemos levar em consideração
que a complexidade dos diversos personagens, só plenamente captada no livro, sendo impossível de ser traduzida, plenamente, em duas horas de filme. Cair na tentação de estender
a história por mais meia hora poderia torná-la demasiada cansativa.
A caprichada produção rendeu indicações em categorias
técnicas (Direção de Arte, Figurino, Maquiagem, etc) nos principais prêmios do
cinema em 2013. Foram quatro indicações ao Oscar, 6 indicações ao Bafta (o
Oscar inglês) e duas indicações vencedoras ao Critics Choice Awards, além de
outros mais. Nada mais justo, apesar de ter merecido melhor sorte em outras
categorias como direção, por exemplo. Afinal não é todos os dias que somos
brindados com uma das mais belas cenas já realizadas no cinema: o baile
promovido pela família de Kitty. Tudo nela é impecável: cenário, música, atuação e
figurino formam um conjunto de plasticidade e beleza desconcertantes e de
grande carga dramática. Ficam evidentes os sentimentos que envolvem todos os
personagens sem que uma fala seja proferida.
Parceira de Joe Wright em ‘Orgulho e Preconceito’, pelo qual
foi indicada ao Oscar e Globo de Ouro em 2006, e em ‘Expiação’, a bela Keira
Knightley transmite um ar jovial, moderno e sensual à Anna. Sua personagem
mantém um casamento frio, porém sem grandes ou claras demonstrações de
tristezas ou frustrações. Seu descontentamento maior é com o tratamento dado ao
filho pelo seu marido, o oficial Alexei Karenin interpretado por um
corretíssimo Jude Law (‘Closer’ e ‘Inteligência Artificial’) de emoção contida,
quase imperceptível, mas que no olhar e na contrição dos gestos passa seus
sentimentos. O mundo de Anna muda completamente quando em uma viagem de trem
conhece o Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson de ‘Kick Ass’) e entre eles nasce
uma enorme paixão que desencadeia uma série de conseqüências. O jovem
Taylor-Johnson, talvez seja o ponto fora da curva no que diz respeito às
interpretações. Até convence em um papel de galã, o que é surpreendente
considerando seu papel em ‘Kick Ass’, porém falta certa gana, força em seu Vronsky. O caso
entre Anna e o Conde irá repercutir em outros personagens da trama como
Kitty, (Alicia Vikander de ‘O Sétimo Filho’), futura noiva de Vronsky e
Konstatin Dimitrivich (Domhnall Gleeson de ‘Bravura Indômita’) apaixonado por
Kitty.
O filme conta ainda com Stiva Oblonsky (Matthew Macfadyen de
‘Os Três Mosqueteiros’) irmão de Anna, que apesar de ser mais um a representar
a sociedade machista, acaba por figurar como um quase alívio cômico dentro da
trama. Sua esposa, Daria Dolly (Kelly Macdonald de ‘Onde os Fracos não Têm
Vez’), que sofre com as traições do marido, porém conformada e acuada
pela moral da época o perdoa sempre. Em pequena participação, porém importante,
como irmão de Konstatin, temos David Wilmot (de ‘Rei Arthur’) e sua ‘esposa’
Masha, a atriz indiana Tannishtha Chatterjee.
Voltando à trama em si, o caso extraconjugal de Anna acaba por tornar-se evidente
diante dos gestos e olhares que o casal troca entre si. Exposto diante da opinião
pública Alexei Karenin, pressiona Anna a terminar seu caso usando o filho do
casal. Apesar da pressão, a paixão fala mais
alto e Karenina sai de casa, porém o divórcio não é concedido pelo marido. A
figura de Anna é humilhada. A sociedade machista e moralista a faz questionar
suas escolhas e a si mesma. Cabe a ela decidir entre abraçar seu amor incontrolável e aceitar o desprezo
e escárnio dos outros ou abrir mão de seus sentimentos em prol de encenar seu
papel de mãe zelosa e esposa submissa. Ao final o papel que Anna escolhe a
liberta, mas reflete a opressão, o preconceito e o moralismo que por vezes
teima em bater à porta de nossa sociedade do século XXI.
Ao final da projeção fica a sensação de uma história que
apesar de densa, passa pelos seus cerca de 120 minutos com leveza. A abordagem
inteligente sopra modernidade sobre as páginas de Tolstói e pode recolocá-lo na
vanguarda da literatura mundial, lugar de onde nunca deveria ter saído.
Nota: 9
Direção: Joe Wright
Elenco: Keira Knightley, Jude Law e Aaron Taylor-Johnson.
Roteiro: Tom Stoppard
Nota: 9
Direção: Joe Wright
Elenco: Keira Knightley, Jude Law e Aaron Taylor-Johnson.
Roteiro: Tom Stoppard
Você falou tudo: a produção foi caprichada! Acho que o Wright ousou e acertou em cheio - o filme ficou absolutamente lindo e envolvente. Uma belezinha =)
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