sexta-feira, 22 de março de 2013

Habemus Papam Francisco ! E Agora o que Esperar ?

No conclave que escolheu Ratzinguer como Papa eu expus minha preferência, em uma comunidade do falecido Orkut, pelo ex cardeal emérito de Milão, o também falecido Carlo Maria Martini. Fui veemente atacado e perseguido. Martini representava à época a ala mais progressista da cúria. Sua posição a favor do casamento (civil) entre pessoas do mesmo sexo, a utilização de preservativo como método de combate à AIDS e de controle à gravidez e solidário à ordenação de mulheres, chamou minha atenção e alimentou minha admiração. Era incisivo quando afirmava que a Igreja estava (e ainda está) "atrasada 200 anos", e que deveria "reconhecer os seus erros, a começar pelo Papa". Martini obteve 9 votos no primeiro escrutínio contra 10 de Bergoglio e 45 de Ratzinguer. A eleição do cardeal que silenciou Leonardo Boff foi um banho de água gélida. 


Cardeal Carlo Maria Martin.
Fonte:
http://1.bp.blogspot.com
Com a morte em 2012 de Martini, os progressistas ficaram um tanto órfãos e sem um representante forte acabaram perdendo espaço neste conclave de 2013. Terminaram representados pelos chamados moderados que geralmente não abrem mão da rigidez moral. Não foi possível verificar dentre os elegíveis alguém que manifestasse ideais tão evoluídos como os de Martini e por tal razão não me motivei a elencar meus ‘desejáveis‘ ou favoritos.

A escolha do argentino Bergoglio, agora Papa Francisco, surpresa para uns e esperado para outros (especula-se que teria ficado em segundo lugar na última votação do conclave anterior) levanta uma série de questões. Primeiramente ilustra um poder de articulação dos cardeais do continente latino americano frente a ala européia e representa a urgência na defesa do maior reduto católico do mundo, onde se encontram cerca de 40% de seus seguidores, mas também onde são perdidos 400 fiéis todos os dias só no Brasil.


Habemus Papam Francisco
Fonte: http://oglobo.globo.com
No que tange às reformas profundas, como o papel da mulher na Igreja ou revisões das posições da Igreja sobre questões morais, o histórico de Bergoglio nos oferece pouca esperança. Alinhado, em boa parte, aos pensamentos de João Paulo II (pelo qual foi feito cardeal) e Bento XVI, Francisco não tende, a priori e por suas próprias convicções, realizar mudanças profundas na Igreja. 


A esperança reside em sua humildade e simplicidade. Quando cardeal, Bergoglio recusando os luxos oferecidos pela igreja argentina, andava de transporte público, cozinhava sua própria comida e morava em um apartamento simples em Buenos Aires. Sua visão política sobre a pobreza também é diferenciada em relação a outros sacerdotes. Apreciador do contato com o povo, não raras as vezes era visto em favelas e hospitais em seu trabalho evangelizador. Essas características indicam, segundo jornalistas, vaticanistas e teólogos um papado mais missionário, menos concentrado em Roma e mais perto dos fiéis, uma Igreja mais simples e menos burocratizada. Em suas primeiras ações pontifícias, Francisco realmente reflete essa inclinação para a simplicidade e proximidade ao povo. Optou por um anel de prata (banhado a ouro) ao invés de ouro maciço como o de costume, a cruz que leva consigo é de aço, alguns paramentos foram recusados assim como a limusine particular, preferiu em carro de um funcionário do Vaticano. Em seus discursos até o momento, o tema da pobreza e a necessidade de uma instituição com menos pompa sempre tem estão presentes.Também tem causado dor de cabeça aos seguranças por não respeitar protocolos. O já citado Leonardo Boff, precursor da Teologia da Libertação no Brasil (combatida por Bergoglio na Argentina) crê em uma sobreposição do povo à hierarquia, uma maior participação e importância dos leigos além de trilhar o caminho do ecumenismo. Opinião semelhante é a de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Felix do Araguaia. Companheiro de Boff na propagação da Teologia da Libertação, Casaldáliga também foi punido durante o papado de João Paulo II, por sua posição progressista e aguerrida na defesa dos índios contra latifundiários locais. Segundo ele, a escolha de Bergoglio "é um respiro para a Igreja" e esperançoso aguarda por mudanças que volte a Igreja aos pobres e a torne solidária na defesa dos direitos humanos. 


Papa no ônibus, junto com cardeais e padres.
Fonte: http://s2.glbimg.com/

Em contraponto às suas características positivas, pesam sobre o bispo de Roma a 'inconveniente' ligação ao último regime ditatorial argentino, seu silêncio sobre as atrocidades ocorridas na época e sérias acusações sobre possível atuação criminosa, favorecendo a captura, prisão e tortura de dois padres de sua ordem jesuíta e envolvimento na entrega de filhos de presas políticas para adoção. É intrigante como a Igreja não consegue se desvencilhar de polêmicas. Ora fruto do envolvimento de sacerdotes em casos de pedofilia, ora em escândalos na esfera burocrática, perpassando defesas de governos assassinos e criminosos ou silenciando-se sobre eles. Apesar de falta de consenso sobre isso - algumas organizações como o Conadep* defendem a inocência de Bergoglio enquanto outras como as Mães da Praça de Maio o acusam, é inegável que ao menos complacente com um regime facínora ele fora.


Cardeais na bela e faraônica Basílica de São Pedro.
Fonte: http://oglobo.globo.com

Fazer da instituição Igreja Católica, conhecida por sua suntuosidade, descer aos pobres e tornar-se mais simples é uma mudança de ar positiva, necessária e urgente, contudo não podem ficar relegadas à uma mudança mais de forma do que de conteúdo. Uma práxis cristã alinhada com a defesa do povo pobre, oprimido, espoliado e contra as desigualdades depreenderá esforços na revisão de ranços históricos e ruptura de privilégios. Tomara que suas atitudes não sejam apenas a de um homem e influenciem toda a instituição. Tomara que se inaugure uma nova era onde a Igreja "beba do cálice dos pobres"**. Tomara que, com a mesma rigidez que sempre destinou
 à defesa da doutrina, trate os casos de abusos praticados por sacerdotes. Tomara que Francisco continue surpreendendo com suas atitudes e promova mudanças que atendam aos anseios do mundo moderno, não pelo caminho do individualismo e materialismo, mas na revisão de seus arcaicos conceitos morais que a distanciam de um mundo que já saiu da idade média, por mais que a tentem trazer de volta. Não sou tão esperançoso, mas tomara que eu esteja errado.


* Conadep - Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas.

** "Deixa a Cúria, Pedro!" Poema de Dom Pedro Casaldáliga.

Dicas de Leitura:

http://amahet.blogspot.com.br/2009/11/habemus-papam-allan-mahet-texto-escrito.html


http://blogdomaximus.com/2013/03/11/o-conclave-de-2013/

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518043-para-o-conclave-as-previsoes-sobre-os-cardeais

http://www.ionline.pt/mundo/diario-secreto-cardeal-desvenda-eleicao-ratzinger-esteve-tremida

http://www.publico.pt/mundo/noticia/morreu-o-cardeal-carlo-martini-que-defendia-uma-igreja-mais-compreensiva-e-aberta-ao-mundo-1561209

http://br.noticias.yahoo.com/morre-cardeal-martini-figura-destaque-dos-cat%C3%B3licos-progressistas-163806791.html

http://pensamentos-vagabundos.blogspot.com.br/2012/09/o-cardeal-carlo-maria-martini-o-homem.html

http://fratresinunum.com/tag/cardeal-carlo-maria-martini/

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