sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Sambas Enredo Grupo Especial Rio de Janeiro 2023 - Análise

Após três anos sem publicar a análise dos sambas enredos retorno com elas em um ano de boas composições. Três destaques bem acima das demais e apenas uma pode ser classificada bem abaixo.

Na primeira prateleira temos Imperatriz, Tuiuti e Mangueira. A verde e rosa estaria um pouco atrás, mas não o suficiente para descer de prateleira. 

Na segunda prateleira contamos com Império Serrano, Viradouro e Mocidade.

Na terceira um grupo com Beija-Flor, Vila Isabel, Portela, Grande Rio e Tijuca. Não exatamente no mesmo nível l, mas não são tão bons para subir, tampouco ruins para descer. 

Na última Prateleira temos o solitário Salgueiro.

Ao final de cada letra confira uma análise breve de cada samba. Confira e deixe seu comentário. 

Para ouvir os sambas e ver a letra clique no nome de cada escola.

"Mogangueiro da Cara Preta"
Compositores: Cláudio Russo, Moacyr Luz, Gustavo Clarão, Júlio Alves, Alessandro Falcão, Pier Ubertini e W Correia.

Cadê o boi?
O mogangueiro, o mandingueiro de oyá
Meu tuiuti não tem medo de careta
Traz o boi da cara preta, do estado do Pará

Num mar de tempestade e ventania
Foi trazendo especiarias que o barco naufragou
Nós moscada, cravo, iguarias
No caminho para as Índias a história eternizou
O marinheiro se perdeu na madrugada
O mogangueiro correu para o igarapé
A curuminha entoou uma toada
Enquanto abria-se a flor do mururé
E nesse encontro entre o rio e o oceano
A grande ilha que cultiva o carimbó
Dizem que bichos ainda falam com humanos
Há muitos anos na Ilha de Marajó

É! Batuqueiro no samba de roda curimbó
Quero ver você cantar como canta o curió
Okê caboclo onde vai a piracema?
Rio acima segue o voo de uma juriti pepena

Há mão que modela a vida
No bairro Marajoara
E o búfalo que pisa
Esse chão do parauara
Chama o mestre damasceno
Pra entoar esta canção
Das cantigas da vovó
Do tempo da escravidão

É lá! É lá! É lá!
Canoeiro vive só morená
É lá! É lá! É lá!
Mas precisa de um xodó

Análise:
Um dos três melhores sambas desse ano no grupo especial. Uma letra que consegue abarcar diversos aspectos do enredo sem ser cansativo ou redundante. Acerta em não lançar mão de inflar com versos de auto exaltação que alongam o samba, mas que em boa parte das vezes nada dizem. Com nuances agradáveis em sua melodia, o hino da Tuiuti é muito gostoso de ouvir e repetir sem cansar. Os refrões pegam fácil e mantêm o ritmo no alto ao longo de toda a letra.


"Lugares de Arlindo"
Compositores: Sombrinha, Aluízio Machado, Carlos Senna, Carlitos Beto Br, Rubens Gordinho e Ambrósio Aurélio.

Acorde partideiro sem igual nascia então, um samba do seu jeito
Reluz feito Candeia, imortal o compositor, sambista perfeito
Levada de tantan, banjo e repique, poesia de um Cacique, malandragem deu lição
Inspiraçao de ventre ancestral, o dueto, a patente vem do fundo do quintal
Na boemia, no subúrbio, na viela o seu nome é favela, Madureira

Dagô, Dagô Saravá, Obá kaô
O brado que traz justiça, faz a vida recompor

Deixa, o fim da tristeza ainda há de chegar
O show do artista vai continuar
Morando nos sambas que você fez pra mim
Imperiano sim!
No verso que aflora
Giram os sonhos da porta-bandeira
O amor de Orfeu, melodia namora
Serrinha é teu canto pra vida inteira

Dagô, Dagô é a Lua de aruanda
A espada é de guerra e Ogum vence demanda

Cercado de axé, semeia o bem, o povo a cantar
Receba a gratidão, reizinho desse chão, aqui é o teu lugar
Uma porção de fé, o filho do verde esperança nos conduz
Zambi da Coroa Imperial
Abiaxé, Arlindo Cruz

Firma na palma da mão, tem alujá e agogô
Imperio de Jorge, oxê de Xangô
Laroyê Epa Babá
Há de roncar meu tambor
O verso de Arlindo, morada do amor

Análise:
Emotivo e alegre com raro equilíbrio, apesar de que poderia ser um pouco menos extenso, mas o que não permitiria realizar o acróstico (as primeiras letras de cada verso formam o nome Arlindo Domingos da Cruz Filho no sentido vertical). Alguns versos, principalmente na primeira parte, são um pouco longos, o que pode atrapalhar o canto. Destaque positivo para os belos versos "Giram os sonhos da porta-bandeira / O amor de Orfeu, melodia namora / Serrinha é teu canto pra vida inteira" e para a sempre empolgante interpretação de Ito Melodia que vai mais uma vez incorporar na avenida.


"Delírios de Um Paraíso Vermelho"
Compositores: Moysés Santiago, Líbero, Serginho do Porto, Celino Dias, Aldir Sena, Orlando Ambrósio, Gilmar Silva e Marquinho Bombeiro.

No toque sublime de amor
O profeta pintou o paraíso
Intenso vermelho que tinge a emoção
Tá no meu coração: Salgueiro
A vida em perfeita harmonia
A plena liberdade de viver
Mas a tentação que seduziu Adão e Eva
Fez o pecado florescer
Quem será pecador? Quem irá apontar?
Há um olhar de querer julgar
Se cada um tem seu jeito
Melhor conviver sem preconceito

No meu sonho de rei, quero tempo de paz
Guerra, fome e mazelas, nunca mais
A minha Academia anuncia
Da escuridão, raiou o dia

Bendita redenção!
Os excluídos libertando suas dores
Embarque, pro renascer dos seus valores
Basta! De violência e opressão!
Chega de intolerância
A luz da eternidade acende a chama
Festejando a igualdade que a felicidade emana
Resplandece a beleza do meu rubro paraíso
Proibido é proibir, aviso!
Pelas bênçãos de João
Nessa noite de magia
O meu samba é a revolução da alegria

Vermelha paixão salgueirense
Que invade a alma
Tá no sangue da gente
O morro desce na batida do tambor
Nesse delírio que o artista se inspirou!

Análise:
O samba do Salgueiro ocupa facilmente a prateleira mais baixa do grupo. Tenta surfar na onda dos sambas engajados dos últimos carnavais (Mangueira, Tuiuti, Beija Flor, etc), mas acaba acertando nas pérolas que a Mocidade trouxe alguns anos atrás em que falou de doação de órgãos e educação de trânsito. Rimas pouco inspiradas, simplistas até, como em "Proibido é proibir, aviso!", "Basta! De violência e opressão! Chega de intolerância" e "Se cada um tem seu jeito. Melhor conviver sem preconceito". A ideia poderia ser passada com uma letra mais rica, mais poética. Contribuiu para enfraquecer a obra os versos de auto exaltação, que podem ser bem usados, mas aqui parecem apenas como tapa buracos. 


"O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida"
Compositores: Me Leva, Gabriel Coelho, Miguel da Imperatriz, Luiz Brinquinho, Antonio Crescente e Renne Barbosa.

Imperatriz veio contar para vocês
Uma história de assombrar
Tira sono mais de mês

Disse um cabra que nas bandas do Nordeste
Pilão deitado se achegava com o bando
Vinha no rifle de Corisco e Cansanção
Junto de Cirilo Antão, Virgulino no comando
Deus nos acuda, todo povo aperreado
A notícia corre céu e chão rachado
Rebuliço no olhar de um mamulengo
Era dia 28 e lagrimava o sereno

E foi-se então, adeus capitão!
No estouro do pipoco
Rola o quengo do caboclo
A sete palmos desse chão

Nos confins do submundo onde não existe inverno
Bandoleiro sem estrada pediu abrigo eterno
Atiçou o cão catraz, fez furdunço
E Satanás expulsou ele do inferno
O jagunço implorou um lugar no céu
Toda santaria se fez de bedel
Cabra macho excomungado de tocaia num balão
Nem rogando a Padim Ciço ele teve salvação

Pelos cantos do Sertão, vagueia, vagueia
Tal qual barro feito a mão misturado na areia

Quando a sanfona chora, mandacaru aflora
Bate zabumba tocando no meu coração
Leopoldinense, cangaceira é minha escola
Eis o destino do valente Lampião!

Análise:
Em termos de melodia este samba e da Tuiuti se aproximam pela inventividade e prazer em ouvir. São sambas acima de tudo gostosos de ouvir e contam com letras bem trabalhadas, cuidadosas que explicam seus enredos satisfatoriamente. As possibilidades de bossas são imensas e o público deve comprar o desfile. A escola tem cada vez mais se afastando da imagem construída durante a segunda metade da década de 90 e único dos anos 2000 e belas composições ajudam nessa ressignificação.


“O azul que vem do infinito”
Compositores: Wanderley Monteiro, Vinicius Ferreira, Rafael Gigante, Edmar Jr, Bira e Marcelāo.

Prazer novamente encontrar vocês
Ali pelas bandas de Oswaldo Cruz
Nosso mundo azul ganha vez
E aquela missão nos conduz
Eu, Rufino e Caetano
No linho, no pano, pescoço ocupado
Vencemos mesmo marginalizados
No bailar, uma porta bandeira
A nobreza desfila humildade
Natal nos guiou, deu Águia!
A Majestade

Abre a roda, malandro, que o samba chegou
Andei na Lapa, também já subi o Pelô
Macunaíma falou: Nas maravilhas do mar
A brisa me levou
Eis um Brasil de glórias que incandeia
A vaidade é um conto de areia
Eu vim me apresentar
Deixa a Portela passar!

Lendas e mistérios de um amor
Casa onde mora a profecia
Clara como a luz de um esplendor
Cem anos da mais bela poesia
Vivam esse sonho genuíno
De fazer valer nosso legado
Vejo um futuro mais lindo
Nas mãos de quem sabe o valor do passado
Ser Portela é tanto mais
Que nem cabe explicação
Basta ouvir os Baluartes
Pra chorar de emoção

Cavaco e viola, a velha linhagem
A bênção Monarco pra essa homenagem
O céu de Madureira é mais bonito
Te amo, Portela, além do infinito

Análise 
Em homenagem ao seu centenário confesso que espera algo a mais. Letra e melodia são boas, mas apenas isso. Acaba não atingindo a expectativa que despertara. As referências estão bem colocadas e não são apenas jogadas como poderia acontecer e que por vezes são utilizadas, mas se perdem num samba que não emociona como deveria ou empolga como poderia. Destaque positivo para a parte central: "Abre a roda, malandro, que o samba chegou (...) Deixa a Portela passar".


"Ô Zeca, o pagode onde é que é? Andei descalço, carroça e trem, procurando por Xerém, pra te ver, pra te abraçar, pra beber e batucar!" 
Compositores: Arlindinho Cruz, Igor Leal, Diogo Nogueira, Myngal, Mingauzinho e Gustavo Clarão.

Ō Zeca tu tá morando ondé?
Sai com meu povo a te procurar
Botei minha cerva na encruzilhada
Pra Moça da saia rodada e pro Ôme da capa
Cadê você?
É alvorada do seu padroeiro
Pra agradecer
Ao mensageiro de São Jorge Guerreiro
Tem patuá, pra proteger
E tem mandinga no velho engenho
Quem tem um santo poderoso que é Ogum?
Eu tenho

Nas bandas do Irajá, gelada no botequim
Assim vou vadiar até no gurufim
Se tem patota, Ibeji e ajeum
Salve Cosme e Damião, Doum!

Ê
Que bela quitanda, quitandinha de Erê
Seu balançê
Tem quitandinha de Erê

Passei procurando na feira
Em Del Castilho e na Tamarineira
E na gafieira, boêmios, Malandros
Pelos sete lados eu vou te cercando
Jessé! Jessé!
Fiz um pagode pra madrinha, Salve ela!
Saudei a voz da velha guarda da Portela
E lá na roça me flori no Carnaval
Zeca!
Levante o Copo para o povo brasileiro
Te encontrei nesse Terreiro
Xerém é o seu quintal

Deixa a Vida me levar
Onde o samba tem valor
Meu candiá
Encandiou
Sou Grande Rio carregado de axé
Minha gira girou na fé

Análise 
A homenagem ao Zeca tem uma 'vibe' distinta, por exemplo, daquela prestada pelo Império Serrano ao Arlindo Cruz. Uma letra menos rebuscada, porém mais visual. É possível construir mentalmente boa parte do samba o que deve facilitar a leitura do enredo e sua reprodução em alegorias e fantasias. O refrão do meio parece ser a parte mais interessante e agradável da letra. Mas como um todo é uma obra apropriada e que deve crescer na avenida com a presença do seu, imensamente carismático homenageado. 


"Nessa Festa, Eu Levo Fé!"
Compositores: Dinny da Vila, Kleber Cassino, Mano 10, Doc Santana e Marcos.

Viver, sentir prazer
Eu quero é mais me embriagar de tanto amor
Ver o sagrado e o profano em sintonia
Cair dentro da folia foi Deus baco que ensinou
O mundo canta forte, canta alto
Pelas ruas o cortejo
No batuque e na dança
Pedir, agradecer e celebrar, é o dom de superar
Renovando a esperança

Eu sou da Vila
Batizado no terreiro, São Jorge protetor
Salve o padroeiro
A voz do morro traz o samba na raíz
O ano inteiro sou festeiro e sou feliz

Seguindo em frente encarando o dia a dia
É Garantido e Caprichoso emocionar
Na explosão de cores, show de alegria
Água de cheiro, oferendas ao mar
Pulei fogueira, anarriê no arraiá brinquei
Na despedida também festejei
Renasce na saudade a nossa devoção
Vou respeitando a diversidade
Seja qual for a religião

O Rei Momo convidou minha Vila Isabel
Nessa festa eu levo fé
Sou herdeiro de Noel
No tambor da Swingueira
Toda a luz do meu axé: Evoé, evoé

Análise:
É um samba correto apenas. Os versos são um tanto previsíveis e a melodia não empolga. A letra não tem a força desejada e a falta de um momento de explosão compromete. Nem mesmo os refrões cumprem esse papel. São simples e sem carisma. Na avenida corre o risco de se tornar cansativo.


"Rosa Maria Egipcíaca"
Compositores: Cláudio Mattos, Dan Passos, Marco Moreno, Victor Rangel, Lucas Neves, Deco, Thiago Meiners, Valtinho Botafogo, Luis Anderson, Jefferson Oliveira e Bertolo.

Rosa Maria, menina flor
Rainha do espelho mar
Na pele do tambor
Pranto das dores que resistiu
Deságua no imenso Brasil
Sua luz incorporou

Distante me encontro das origens
Caminho onde o corpo foi prisão
Ouro que deixou as cicatrizes
Esperança foi vertigem
Minh‘alma a libertação

É vento na saia da preta courá
Na ginga do Acotundá... É ventania
Sete vozes guiaram minhas visões
Mistério, alucinações, feitiçaria

Me entrego a escrever a predição
Lágrima nas contas do rosário
Dádiva ao clamor do coração
Palavras de um preto relicário
A voz que cobre o cruzeiro
Reluz sobre nós no fim do calvário
Navega esperança à luz do encantado
Reflete o azul
Senti a alma daqueles, os mais oprimidos
Venci a heresia na fé dos divinos
A mais bela rosa aos pés do senhor
Candombes e batuques em cortejo
Eu sou a santa que o povo aclamou

Eis a flor do seu altar, sua fé em cada gesto
O amor em cada olhar dos filhos meus
No cantar da Viradouro, o meu samba é manifesto
Sou Rosa Maria, imagem de Deus

Eis a flor do seu altar, sua fé em cada gesto
O amor em cada olhar dos filhos meus
No cantar da Viradouro, o meu samba é manifesto
Imagem de Deus sou eu

Análise:
É perceptível o cuidado dos autores na escrita. Uma letra de delicadeza com as nuances de força que fazem ele explodir. Tem mantido uma tendência de longos sambas que sempre pode ser um risco em evolução e harmonia, seja por dificultar o canto dos componentes ou por permitir queda de ritmo no decorrer do desfile, somando-se a isso um grande número de alas coreografadas. Contudo a escola se empenha muito nos ensaios de canto o que acaba por equilibrar essa conta. Ainda assim acredito que ganharia se contasse com alguns versos a menos.


"As Áfricas que a Bahia canta"
Compositores: Lequinho, Junior Fionda, Gabriel Machado, Guilherme Sá e Paulinho Bandolim.

Oyá, oyá, oyá eô!
Ê matamba, dona da minha nação
Filha do amanhecer, carregada no dendê
Sou eu a flecha da evolução
Sou eu Mangueira, a flecha da evolução
Levo a cor, meu ilú é o tambor
Que tremeu Salvador, Bahia
Áfricas que recriei
Resistir é lei, arte é rebeldia
Coroada pelos cucumbis
Do quilombo às embaixadas
Com ganzás e xequerês fundei o meu país
Pelo som dos atabaques canta meu pais

Traz o padê de Exu
Pra mamãe Oxum toca o ijexá
Rua dos afoxés
Voz dos candomblés, xirê de orixá

Deusa do ilê aiye, do gueto
Meu cabelo black, negão, coroa de preto
Não foi em vão a luta de catendê
Sonho badauê, revolução didá
Candace de olodum, sou debalê de Ogum
Filhos de Gandhi, paz de Oxalá
Quando a alegria invade o Pelô
É carnaval, na pele o swing da cor
O meu timbau é força e poder
Por cada mulher de arerê
Liberta o batuque do canjerê

Eparrey oya! Eparrey mainha!
Quando o verde encontra o rosa, toda preta é rainha

O samba foi morar onde o Rio é mais baiano
O samba foi morar onde o Rio é mais baiano
Reina a ginga de iaiá na ladeira
No ilê de tia Fé, axé Mangueira!

Análise:
Peguei breve ranço do samba por ter derrotado a obra do meu primo na final, mas não demorou para reconhecer que de fato, o samba da minha verde e rosa é um dos melhores do carnaval. De letra que reflete extremo cuidado e atenção com a qual foi escrita que consegue conversar com seus inspirados refrões que tendem a ser dos mais cantados no carnaval com destaque para "Eparrey oya! Eparrey mainha! Quando o verde encontra o rosa, toda preta é rainha", carro chefe da letra. A melodia é absurdamente acertada e oferece à bateria uma gama de possibilidades de bossas. Uma crítica é que poderia ser um pouco menos longa. Receio que pode se tornar cansativo, ainda mais sendo a última escola de Domingo. Mas a posição costuma ser boa para a velha Manga. 


"Terra de Meu Céu, Estrelas de Meu Chão"
Compositores: Diego Nicolau, Richard Valença, Orlando Ambrosio, Gigi da Estiva, W. Correa, Leandro Budegas e Cabeça do Ajax

Senhor que fez da arte mundaréu
Em suas mãos Padre Miguel
Concebeu a criação
Plantou sua missão
Fez do sertão, barro tauá
Jardim no agreste floresceu
Regado ao firmamento de meu Deus
A lida pra viver, da lama renascer
Marias e Josés no céu que moram pés, raiz!
Fiel retrato desse meu país

Segue o carro de boi
O peão no barreiro
Ô rainha bonita
Sou teu rei cangaceiro
É a vida um xadrez
Pra honrar o legado
Quem foi que fez?
Foi Deus do barro

Molha Pedro minha terra
Chão de estrela de João
Traz Antônio minha amada
Padim Cícero Romão

Alumia o teu povo em procissão

Chega folia, chega cavalo marinho
Lindas Flores no caminho
O Nordeste coloriu
E de repente essa gente Independente
Faz da greda seu batente
Molda um pouco de Brasil
Amassa, deixa arder o massapé
Lá no meu Alto do Moura
Um pedacinho de fé
A massa, força de Mandacaru
Lá do meu Alto do Moura
Fiz brilhar Caruaru

Ê meu cardeá!
Sou a chama do braseiro
Nordestino, retirante da saudade
Mais um filho desse solo pioneiro
Um artista esculpindo a Mocidade

Análise:
É um samba interessante. Possui cinco versos no refrão de entrada quando normalmente são usados quatro e um refrão do meio com oito versos. E um terceiro com apenas um verso. Essa construção com mais refrões tem sido comum, mas não exatamente com essa construção. 

 
"É onda que vai... É onda que vem... Serei a Baía de Todos os Santos a se mirar no samba da minha terra"
Compositores: Julio Alves, Cláudio Russo e Tinga.

Oh! Mãe deste meu espelho d'água
O mar interior Tupinambá
Kirimurê das ondas mansas
Onde aprendi a navegar
No primeiro de novembro
Da real capitania
No olhar dos invasores
A cobiça, a maresia
Nesse eterno dois de julho
Sou caboclo rebelado
Terra que banho de luta
Pau Brasil, barril dobrado

Ilu Ayê toca o sino da igrejinha
Ilê Ayê atabaques e agogôs
Pra louvar meu Santo Antônio
Pra saudar meu pai Xangô (kaô meu pai kaô)

Beira de baía que desagua minha fé
Pode ser na missa, ou no xirê do candomblé
Marinheiro só, Marinheiro só
O leme do meu Saveiro
Quem conduz é o Pai Maior
Bota dendê e um cadinho de pimenta
Que a marujada vem provar o vatapá
É no mercado, na Lapinha ou na Ribeira
Se tem samba e capoeira
Camafeu também está
Odoyá Mamãe sereia
Orayeyeô Mamãe do Ouro
No encontro dessas águas, reluziu o meu tesouro
Opaí ó! É carnaval, onde a fantasia é eterna
Com a Tijuca, a paz vence a guerra

E viver será só festejar

Um banho de axé pra purificar
Um banho de axé nas águas de Oxalá
Sou tijucano rompendo quebrantos
Eu canto a Baía de todos os Santos

Análise:
A letra possui uma primeira parte mais inspirada e uma segunda mais previsível com versos finais muito pueris. "É carnaval, onde a fantasia é eterna. Com a Tijuca, a paz vence a guerra. E viver será só festejar". Os refrões não são empolgantes e a melodia acaba por deixar o samba pouco atraente. Pode até ser uma composição honesta, correta, mas sem brilho. 


"Brava Gente! O Grito dos Excluídos no Bicentenário da Independência"
Compositores: Léo do Piso, Beto Nega, Manolo, Diego Oliveira, Julio Assis e Diogo Rosa.

A revolução começa agora
Onde o povo fez história
E a escola não contou
Marco dos heróis e heroínas
Das batalhas genuínas
Do desquite do invasor
Naquele dois de julho, o Sol do triunfar
E os filhos desse chão a guerrear
O sangue do orgulho retinto e servil
Avermelhava as terras do Brasil

É! Vim cobrar igualdade, quero liberdade de expressão
É a rua pela vida, é a vida do irmão
Baixada em ato de rebelião

Desfila o chumbo da autocracia
A demagogia em setembro a marchar
Aos renegados barriga vazia
Progresso agracia quem tem pra bancar
Ordem é o mito do descaso
Que desconheço desde os tempos de Cabral
A lida, um canto, o direito
Por aqui o preconceito tem conceito estrutural
Pela mátria soberana, eis o povo no poder
São Marias e Joanas, os Brasis que eu quero ter

Deixa Nilópolis cantar!
Pela nossa independência, por cultura popular

Ô abram alas ao cordão dos excluídos
Que vão à luta e matam seus dragões
Além dos carnavais, o samba é que me faz
Subversivo Beija-Flor das multidões

Análise:
Inegavelmente o hino da Deusa da Passarela tem uma pegada que lembra muito a Mangueira de 2019 ("Onde o povo fez história. E a escola não contou. Marco dos heróis e heroínas") 
e 2020 e até mesmo a Beija Flor de 2018. Talvez menos poético e mais direto. O samba por si só é resistência e subversivo. Explora personagens que estão à margem da história oficial e os traz à tona e é sempre louvável quando se assume veementemente esse papel, o que não era uma realidade da azul e branco de Nilópolis que por diversas vezes propagandeou o sistema na época da Ditadura. Talvez, as diversas abordagens do tema nos últimos 4 anos possam comprometer o desfile, mas o samba, se não é brilhante, ao menos não comprometerá. 

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