quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A Menina de Oya e o Título da Velha Manga

Em uma das apurações mais emocionantes dos últimos tempos, a minha Estação Primeira sagrou-se vencedora do Carnaval 2016, chegando a 19 títulos e ficando a apenas 2 da Portela que mantém seu enorme jejum. Como não assisti todas as escolas e a transmissão global não faz inteira justiça com algumas escolas, analisei o resultado a partir do visto por mim no Sábado das Campeãs no qual pude estar presente. 

Imperatriz
Pelo bom samba e pela possibilidade de explorar a temática sertaneja esperava a Verde e Branco mais forte e vistosa. Mesclando boas soluções, como a coroa de milho, com alegorias abaixo do seu padrão visual o desfile se sustentou na presença de famosos que levantavam a Sapucaí e no já comentado samba que parecia ser mais cantado pelos espectadores do que pelos componentes. O sexto lugar me pareceu justo pelo o que vi nos desfile das campeãs. 

Beija Flor
A impressão passada na transmissão global era a de um rolo compressor atravessando a avenida (que na verdade é rua). Comentei que a azul e branco seria a escola a ser batida. Não desfiz por completo essa impressão, mas as poucas reticências que tinha se fortaleceram. Os dois carros iniciais apesar de incrivelmente belos eram um tanto confusos. O dourado sem alguma cor para dar uma quebrada deslumbrava, mas dificultava a compreensão do significado do mesmo. 

Algo que passou despercebido como telespectador foi uma alegoria terrível, ponto totalmente fora da curva. Era o "marquês pelo Brasil" que lembrava um grande caixote verde com figuras de qualidade duvidosa nas laterais e com destaques na parte de cima dividindo espaço com outras figuras com apenas a parte de cima do corpo, que mais lembravam esculturas reaproveitadas ou de escolas de grupos inferiores. Tirando esse descalabro, harmonia impecável, bateria correta marcando firme e eis que chega o último carro. Simplesmente fantástico e possivelmente o mais bonito dos desfiles de 2016. Um pouco superestimada por mim no desfile transmitido pela venus platinada, a Beija Flor poderia estar até uma posição mais acima na classificação brigando com Unidos da Tijuca que deveria ficar mais abaixo. 

Salgueiro
Por culpa de um eletricista ou de um gerador meia boca o Salgueiro colocou o campeonato no colo da Mangueira. Pelo demonstrado no desfile das campeãs o título poderia ter ido para a vermelho e branco. O samba não era excecional, mas cresceu na Sapucaí, o conjunto alegórico foi o melhor e mais equilibrado da noite, a bateria deu show e a escola mostrou boa harmonia e evolução apesar de pequeno contratempo causado pelo zepelim. Sua falha foi que a primeira alegoria jamais poderia ter vindo apagada. Se apenas os refletores do chão tivessem apagados, provavelmente não teria perdido ponto algum no quesito e ficaria a frente da Verde e Rosa. No entanto como os postes de luz também vieram apagados e estes eram parte do conceito do carro. No equilibrado carnaval de 2016 um detalhe levou a escola da primeira posição para o 'injusto' 4° lugar. 

Portela
O difícil de comentar o desfile da Águia é se contrapor as inúmeras posições positivas inclusive da mídia especializada, mas quem dá opinião deve correr tais "riscos". Minhas reticências ao trabalho de Paulo Barros, que vem desde seu primeiro desfile grupo especial, são dentre outras coisas em decorrência de seu excesso de teatralidade que tira a a espontaneidade própria do Carnaval, seu desiquilíbrio e repetição no conjunto alegórico, além de algumas opções que refletem mais o seu ego em detrimento ao que é melhor para escola. Em determinadas ocasiões, ao fazer concessões, seu desfile fica mais harmônico e leve e assim apresenta algo equilibrado e com o real espectro do Carnaval. 

Apesar de chegar próximo, não foi isso o que eu vi no desfile da azul e branco a começar pela comissão de frente cujo desnecessário e tosco efeito de jogar água na pista, que na análise de TODOS os veículos de imprensa e possivelmente na visão dos jurados prejudicou a performance do primeiro casal de mestre sala e porta bandeira. O único que parace não ter visto isso foi Barros. O fato de este casal não ter dado nota máxima à Portela nos últimos desfiles não reflete uma isenção do fator água, só joga mais dúvida sobre o risco que a escola foi exposta apesar de treino e do solado especial. Alguns argumentos citavam a possibilidade de chuva que traria o mesmos riscos, porém a chuva o carnavalesco não controla e jogar água na pista sim. 

A citada repetição de carros esse ano se fez presente no carro do Jurassic Park cujo conceito fora utilizado pelo menos outras duas vezes e no carro que representava Eldorado com um dublê caindo, cuja encenação já que esteve presente em desfile anterior. Em menor grau o seu desequilíbrio nas alegorias foi refletido no último carro que contava com uma finalização a meu ver displicente, no carro dos ETs e robôs que poderia ter uma melhor solução assim como no aclamado Viagens de Guliver que por si só é um reflexo do devaneio do carnavalesco. Faltou nele um trabalho de acabamento e principalmente pensar em forma de não ter deixado um buraco quando o boneco se levantava. 

Diferentemente do ocorrido e divulgado nas redes sociais em seu desfile oficial, no desfile das campeãs não houve falhas de harmonia. Ao contrário disso em ternos de ritmo de desfile e escola mostrou um nível altíssimo. A renovação com Paulo Barros indica a confiança no trabalho dele e de modo estranho um acerto da escola, pois para sair de seu incômodo jejum de quase meio século sem título isoladamente, a Portela precisava se reinventar. A questão é controlar o ego e as invencionices de Barros para o ano que vem. A escola já conseguiu se recuperar da derrota injusta de 1995 e vai saber lidar com seu justo terceiro lugar. 

Unidos da Tijuca
Havia certa curiosidade para saber o que a escola fez para ter alcançado o vice campeonato, desbancando Salgueiro e Portela sem que não houvesse sobre ela grande alarde. De fato a escola fez um desfile de bom nível técnico apesar da frieza. Os poucos apontamentos referem-se a dois carros que mostraram certa preguiça ou falta de criatividade. As alegorias não precisam ser incrivelmente belas, mas deve harmonizar adequação ao enredo, bom acabamento e plasticidade. Os carros que mostravam uma espécie de silo para guarda de alimentos e uma colheitadeira mereciam um algo a mais, ficaram simplórios demais não só em termos de beleza mas na solução que propuseram. O bom samba não rendeu e tornou a escola cansativa, sensação corroborada por certa repetição visual. A espera pela escola campeã do Carnaval 2016 tromava quase angustiante assistir a Tijuca que poderia estar atrás de Salgueiro e Portela (apesar de minhas contrariedades) e dar-se por satisfeita. 

Mangueira
Mostrar neutralidade científica nestas horas é meio complicado. Quando perde é fácil refletir criticidade ou dizer que foi injusto e coisas do tipo. Mas sendo a sua escola ganhadora a coisa se complica, porém tentarei fazê-lo. Considerando o apresentado no Sábado das campeãs diria que a Mangueira talvez perderia para o Salgueiro, mas seria algo muito próximo do que aconteceu na apuração, diferença mínima decimal. Se o que a Estação Primeira apresentou na segunda feira de carnaval foi superior ao demonstrado na apresentação festiva aí só no photochart. Apesar de ambas apresentarem problemas semelhantes relacionados à iluminação de um dos carros, o caso do Salgueiro foi pior, pois sua alegoria apresentava não apenas um iluminação para valorizar o carro, era a própria parte da proposta uma vez que reproduzia os postes de luz de regiões históricas da cidade. O problema de iluminação no carro da Mangueira, que funcionou em parte do desfile, a sua existência não comprometeu a solução do carro. 

As alegorias aliás são algo a destacar no desfile da verde e rosa. Durante muito tempo suas alegorias assim como as fantasias eram os grandes calcanhares de Aquiles da escola, até que no começo dos anos 2000 a escola se agigantou e apresentou algumas das maiores alegorias já vistas no Sambódromo e fantasias bem acabadas. Com uma crise administrativa e financeira a partir da metade desta primeira década do novo século, a estação primeira caiu em qualidade chegando a apresentar alegorias inacabadas ou com graves problemas de finalização. Em 2016 a escola pode não ter resgatado sua opulência de outrora, vide o tamanho reduzido dos carros, mas a qualidade e finalização das alegorias não pode ser discutida. As soluções apresentadas pelo estreante carnavalesco conseguiram unir a facilidade de compreensão do enredo assim como boa estética. Com forte influência de Rosa Magalhães e bom trabalho com as cores da escola, conseguir ótimo resultado tanto nos carros como nas belas e vistosas fantasias. 

Apesar das dúvidas que me geravam, o bom mas não tão forte samba, sustentou bem o desfile ajudando a harmonia e a evolução. A bateria mostrou um pouco menos de encanto com a diminuição das bossas que eram marcantes na administração de Ivo Meireles, mas se mostrou consistente. Mestre sala e Porta Bandeira (esposa do carnavalesco) estavam excelentes e conquistaram o público. Pisando forte na avenida, com um bom conjunto alegórico, com fantasias bem acabadas, samba funcionado bem, bateria sustentando harmonia e evolução, o único senão em minha análise foi a comissão frente com um elemento cênico exagerado e coreografia sem muito encanto. Aliás com exceção da Beija Flor o ano não foi dos melhores para as comissões de frente. Enfim, um desfile equilibrado sem grandes problemas que apresentou uma Mangueira revigorada e renascida. O título foi justo? Penso que sim, porém Salgueiro poderia ter tido melhor sorte.

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