domingo, 2 de fevereiro de 2020

Sambas Enredo 2020 Grupo Especial - Análise


Sambas Enredo Carnaval 2020 - Grupo Especial

A safra de sambas enredo para 2020 do grupo especial do Rio de Janeiro nos reserva um bom número de ótimos e bons sambas, apesar de não termos um que se destaque amplamente, pode-se dizer que largam na frente na preferência dos sites especializados e público os hinos da Mangueira, Grande Rio e Mocidade. Também como positivo não há nenhum que dê aquela vergonha alheia completa. Sim, temos sambas que destoam das boas obras para o desfile de 2020, mas nada que os façam entrar na lista de grandes desastres carnavalescos. 

Ótimo: Mangueira, Grande Rio, Portela e Mocidade 
Bom: Beija-Flor, Tuiuti e Viradouro
Regular: São Clemente, Estácio e Ilha  
Ruim: Salgueiro, Vila e Tijuca

Para ouvir os samba clique no nome da escolha para acessar o link do Spotify.


"A Verdade Vos Fará Livre"
Compositores: Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo
Intérprete: Marquinho Art Samba

EU SOU DA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE NAZARÉ
ROSTO NEGRO, SANGUE ÍNDIO, CORPO DE MULHER
MOLEQUE PELINTRA DO BURACO QUENTE
MEU NOME É JESUS DA GENTE

NASCI DE PEITO ABERTO, DE PUNHO CERRADO
MEU PAI CARPINTEIRO DESEMPREGADO
MINHA MÃE É MARIA DAS DORES BRASIL
ENXUGO O SUOR DE QUEM DESCE E SOBE LADEIRA
ME ENCONTRO NO AMOR QUE NÃO ENCONTRA FRONTEIRA
PROCURA POR MIM NAS FILEIRAS CONTRA A OPRESSÃO

E NO OLHAR DA PORTA-BANDEIRA PRO SEU PAVILHÃO

EU TÔ QUE TÔ DEPENDURADO
EM CORDÉIS E CORCOVADOS
MAS SERÁ QUE TODO POVO ENTENDEU O MEU RECADO?
PORQUE DE NOVO CRAVEJARAM O MEU CORPO
OS PROFETAS DA INTOLERÂNCIA
SEM SABER QUE A ESPERANÇA
BRILHA MAIS NA ESCURIDÃO

FAVELA, PEGA A VISÃO
NÃO TEM FUTURO SEM PARTILHA
NEM MESSIAS DE ARMA NA MÃO
FAVELA, PEGA A VISÃO
EU FAÇO FÉ NA MINHA GENTE
QUE É SEMENTE DO SEU CHÃO

DO CÉU DEU PRA OUVIR
O DESABAFO SINCOPADO DA CIDADE
QUAREI TAMBOR DA CRUZ FIZ ESPLENDOR
E RESSURGI NO CORDÃO DA LIBERDADE

MANGUEIRA
SAMBA TEU SAMBA É UMA REZA
PELA FORÇA QUE ELE TEM
MANGUEIRA
VÃO TE INVENTAR MIL PECADOS
MAS EU ESTOU DO SEU LADO
E DO LADO DO SAMBA TAMBÉM

Análise
Estação Primeira, defensora do título, levará mais uma excelente obra para avenida em 2020. Desde sua escolha, o samba passou por algumas mudanças em sua letra, com a retirada de dois versos ("Num Domingo verde e rosa" e "Se quem por acaso despreza") que causaram certa indignação da comunidade verde e rosa, contudo são justificáveis considerando a semântica e a necessidade de se observar a respiração, principalmente dos componentes. A mim, incomodou mais a alteração do andamento, que acabou por tirar um pouco da explosão do samba, apesar de ter corrigido uma longa pausa existente na versão original antes de "enxugo o suor (...)". De toda forma o hino mangueirense está entre os melhores do ano e promete um ótimo rendimento na Sapucaí.  


"Viradouro de Alma Lavada"
Compositores: Cláudio Russo, Paulo Cesar Feital, Diego Nicolau, Júlio Alves, Dadinho, Rildo Seixas, Manolo, Anderson Lemos e Carlinhos Fionda
Intérprete: Zé Paulo

Levanta, preta, que o sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor

Mainha, esses velhos areais
Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs pra luta
Sentem cheiro de angelim
E a doçura do quindim
Da Bica de Itapuã

Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, Baixa do Dendê
Chama a freguesia pro batuquejê

São elas, dos Anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô Iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
Nas escadas da fé:
É a voz da mulher!

Xangô ilumina a caminhada,
A falange está formada, um coral cheio de amor
Kaô, o axé vem da Bahia
Nessa negra cantoria
Que Maria ensinou

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ora yê yê ô Oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Análise
Apesar de ter algumas passagens em que, na minha opinião, poderiam ter sido melhor trabalhadas, como por exemplo em "Nas escadas da fé: É a voz da mulher", no geral é um samba muito bom, pra cima, com interessantes variações melódicas que em nada comprometem o andamento do samba. Possui bom potencial de crescer na avenida, ainda mais na condução sempre competente de Zé Paulo Sierra. Sua parte final e principalmente seus refrões são empolgantes e facilmente irão contagiar a Sapucaí.


"Gigante pela Própria Natureza: Jaçanã e um Índio Chamado Brasil"
Compositores: Cláudio Russo, Chico Alves e Julio Alves
Intérprete: Tinga

Sou eu! Índio filho da mata
Dono do ouro e da prata que a terra mãe produziu
Sou eu!
Mais um Silva pau de arara
Sou barro marajoara, me chamo Brasil
Aquele que desperta a Cunhatã
Para ouvir Jaçanã sussurrar ao destino

O curumim, o piá e o mano
Que o vento minuano também chama de menino

Do tapajos desemboquei no velho Chico
Da negra Xica, solo rico das Gerais
E desaguei em fevereiro
No meu Rio de Janeiro, terra de mil carnavais

Ô viola!
A sina de Preto Velho
É luta de quilombola, é pranto é caridade
Ô fandango!
Candango não perde a fé
Carrega filho e mulher pra erguer nova cidade

Quando a cacimba esvazia, seca a água da moringa
Sertanejo em Romaria é mais forte que mandinga
Assim, nasceu a flor do Cerrado
Quando o cacique inspirado
Olhou pro futuro e mandou construir
Brasília, joia rara prometida
Que Nossa Senhora de Aparecida estenda o seu manto pro povo seguir

Sou da Vila não tem jeito, fazer samba é meu papel
Fiz do chão do Boulevard meu céu!
Paira no ar, o azul da beleza
Gigante pela própria natureza

Análise
Um tanto burocrático, com versos um tanto simplistas (O curumim, o piá e o mano / Paira no ar, o azul da beleza / Gigante pela própria natureza) e melodia com poucos momentos de criatividade. Algumas passagens até denotam certa qualidade, como no refrão "Ô viola…", mas num ano de boas obras o samba da Vila acaba por figurar mais abaixo na tabela.


"Guajupiá, Terra sem Males"
Compositores: Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, José Carlos, Zé Miranda, Beto Aquino, Pecê Ribeiro, D´Sousa E Araguaci
Intérprete: Gilsinho

CLAMEI AOS CÉUS
A CHAMA DA MALDADE APAGOU
E NUM DILÚVIO A TERRA ELE BANHOU
LAVANDO AS MAZELAS COM PERDÃO
FIM DA ESCURIDÃO
JÁ NÃO EXISTE A IRA DE MONÃ
NO VENTRE HÁ VIDA, NOVO AMANHÃ
IRIM MAGÉ JÁ PODE SER FELIZ
TRANSFORMA A DOR NA ALEGRIA DE PODER MUDAR O MUNDO
MAIRAMUÃNA TEM A CHAVE DO FUTURO
PRA NOSSA TRIBO LUTAR E CANTAR

AUE, AUE A VOZ DA MATA, OKE, OKE ARO
SE GUANABARA É RESISTÊNCIA
O ÍNDIO É ARCO, É FLECHA, É ESSÊNCIA

AO PROTEGER KARIOKA
REÚNO A MALOCA NA BEIRA DA REDE
CAUIM PRA FESTEJAR… PURIFICAR
BORDUNA, TACAPE E AJARÉ
ÍNDIO PEDE PAZ MAS É DE GUERRA
NOSSA ALDEIA É SEM PARTIDO OU FACÇÃO
NÃO TEM “BISPO”, NEM SE CURVA A “CAPITÃO”.
QUANDO A VIDA NOS ENSINA
NÃO DEVEMOS MAIS ERRAR
COM A IRA DE MONÃ
APRENDI A RESPEITAR A NATUREZA, O BEM VIVER
PRO IMENSO AZUL DO CÉU
NUNCA MAIS ESCURECER(BIS)

ÍNDIO É TUPINAMBÁ
ÍNDIO TEM ALMA GUERREIRA
HOJE MEU GUAJUPIÁ É MADUREIRA
VOA ÁGUIA NA FLORESTA
SALVE O SAMBA, SALVE ELA
ÍNDIO É DONO DESSE CHÃO
ÍNDIO É FILHO DA PORTELA

Análise:
O samba da Portela é um desafio. São necessárias algumas audições para chegarmos a conclusão se gostamos dele ou não. Sua construção melódica diferenciada, pode comprometer harmonia e evolução, apesar de a gravação ter melhorado significativamente esse aspecto. Porém não há de se questionar a riqueza de sua letra que conta com momentos de pura poesia (LAVANDO AS MAZELAS COM PERDÃO / FIM DA ESCURIDÃO /JÁ NÃO EXISTE A IRA DE MONÃ / NO VENTRE HÁ VIDA, NOVO AMANHÃ). É um samba que cresce a cada audição e apesar de classificá-lo entre as melhores obras do ano, tenho certa resistência em afirmar que explodirá na avenida.


"O Rei Negro do Picadeiro"
Compositores: Marcelo Motta, Fred Camacho, Guinga do Salgueiro, Getúlio Coelho, Ricardo Neves e Francisco Aquino
Intérpretes: Emerson Dias e Quinho

NA CORDA BAMBA DA VIDA ME CRIEI
MAS QUAL O NEGRO NÃO SONHOU COM LIBERDADE?
TANTAS VEZES PERDIDO, ME ENCONTREI
DO MEU TRAPÉZIO SALTEI NUM VOO PRA FELICIDADE
QUANDO NUM BREQUE, MAMBEMBE MOLEQUE
BEIJO O PICADEIRO DA ILUSÃO
UM NOVO NORTE, LANÇADO À SORTE
NA “COMPANHIA” DO LUAR
FEITO SAMBISTA
ALMA DE ARTISTA QUE VAI ONDE O POVO ESTÁ

E VOU ESTAR COM O PEITO REPLETO DE AMOR
EIS A LIÇÃO DESSE NOBRE PALHAÇO
QUANDO CAIR, NO TALENTO, SABER LEVANTAR
FAZER SORRIR QUANDO A TINTA INSISTE EM MANCHAR

O ROSTO RETINTO EXPOSTO
REFLETE NO ESPELHO
NA CARA DA GENTE UM NARIZ VERMELHO
NUM CIRCO SEM LONA, SEM RUMO, SEM PAR.
MAS SE TODO SHOW TEM QUE CONTINUAR
BRAVO!
HÁ ESPERANÇA ENTRE SINAIS E TRAMPOLINS
E A CERTEZA QUE MILHÕES DE BENJAMINS
ESTÃO NO PALCO SOB AS LUZES DA RIBALTA
SALTA MENINO!
A LUTA ME FEZ MAJESTADE
NA PELE, O TOM DA CORAGEM
O QUE ESTÁ POR VIR
SORRIR É RESISTIR!

OLHA NÓS AÍ DE NOVO
PRA SAMBAR NO PICADEIRO
ARMA O CIRCO, CHAMA O POVO, SALGUEIRO!
AQUI O NEGRO NÃO SAI DE CARTAZ
SE ENTREGAR, JAMAIS!


Análise
O samba com que a academia desfilará possui algumas (poucas) boas passagens (HÁ ESPERANÇA ENTRE SINAIS E TRAMPOLINS /
E A CERTEZA QUE MILHÕES DE BENJAMINS), porém no geral acaba por ser uma letra sem grande criatividade e possuir uma melodia bem comum. O resultado é um enredo de relevância com uma samba cansativo e que não consegue agradar que não chama público, não dá vontade de ouvir outras vezes e pode ter problemas em contagiar seus componentes e público.


"Elza Deusa Soares"
COMPOSITORES: SANDRA DE SÁ, IGOR VIANNA, DR. MÁRCIO, SOLANO SANTOS, RENAN DINIZ, JEFFERSON OLIVEIRA, PROFESSOR LARANJO E TELMO AUGUSTO
INTÉRPRETE: WANDER PIRES

LÁ VAI, MENINA
LATA D’ÁGUA NA CABEÇA
VENCER A DOR QUE ESSE MUNDO É TODO SEU
ONDE A “ÁGUA SANTA” FOI SALIVA
PRA CURAR TODA FERIDA QUE A HISTÓRIA ESCREVEU
É SUA VOZ QUE AMORDAÇA A OPRESSÃO
QUE EMBALA O IRMÃO
PARA A PRETA NÃO CHORAR
SE A VIDA É UMA “AQUARELA”
VI EM TI A COR MAIS BELA
PELOS PALCOS A BRILHAR

É HORA DE ACENDER NO PEITO A INSPIRAÇÃO
SEI QUE É PRECISO LUTAR
COM AS ARMAS DE UMA CANÇÃO
A GENTE TEM QUE ACORDAR
DA “LAMA” NASCE O AMOR
QUEBRAR AS “AGULHAS” QUE VESTEM A DOR

BRASIL, ENFRENTA O MAL QUE TE CONSOME
QUE OS FILHOS DO PLANETA FOME
NÃO PERCAM A ESPERANÇA EM SEU CANTAR
Ó, NEGA, “SOU EU QUE TE FALO EM NOME DAQUELA”
DA BATIDA MAIS QUENTE, O SOM DA FAVELA
É RESISTÊNCIA EM NOSSO CHÃO
“SE ACASO VOCÊ CHEGAR” COM A MENSAGEM DO BEM
O MUNDO VAI DESPERTAR, DEUSA DA VILA VINTÉM
EIS A ESTRELA…
MEU POVO ESPEROU TANTO PRA REVÊ-LA

LAROYÊ Ê MOJUBÁ… LIBERDADE
ABRE OS CAMINHOS PRA ELZA PASSAR…
SALVE A MOCIDADE!
ESSA NEGA TEM PODER, É LUZ QUE CLAREIA
É SAMBA QUE CORRE NA VEIA


Análise
Bela letra e que promete emocionar em sua homenagem a estrela Elza Soares. Pouca coisa abaixo de Mangueira e Grande Rio por exemplo, sua qualidade é inquestionável e assim como a obra da Portela tem ganhos a cada vez que você o escuta. Seu sucesso por ser aferido na medida que consta como um dos mais ouvidos em sites especializados. Ótima melodia que confere ao samba boa pegada. Belíssimo refrão do meio e forte refrão final, apesar de a leve pausa entre '"corre" e "na veia" me incomodar um pouco. 


"Onde Moram os Sonhos"
Compositores: Dudu Nobre, Jorge Aragão, Fadico, André Diniz e Totonho
Intérprete: Wantuir

O sonho nasce em minha alma
Vai tomando o peito e ganhando jeito
Se eternizando, traduzido em forma
O mais imperfeito, perfeição se torna
Lá no meu quintal, eu vou fazer um bangalô
Já foi tapera feita em palha e sapê
E uma capela que a candeia aluminou
A lua cheia…

Vem, é lindo o anoitecer
Vai, eu morro de saudade
Tomo mundo um dia sonha ter
Seu cantinho na cidade

Como é linda a vista lá do meu Borel
Luzes na colina, meu arranha-céu
Linhas do arquiteto, a vida é construção
Curva-se o concreto, brilha a inspiração

Lágrima desce o morro
Serra que corta a mata
Mata, a pureza no olhar
O Rio pede socorro
É terra que o homem maltrata
E meu clamor abraço o Redentor
Pra construir um amanhã melhor
O povo é o alicerce da esperança
O verde beija o mar, a brisa vai soprar
O medo de amar a vida
Paz e alegria vão renascer
Tijuca, faz esse meu sonho acontecer

A minha felicidade mora nesse lugar
Eu sou favela
O samba no compasso é mutirão de amor
Dignidade não é luxo, nem favor


Análise: 
Lugar comum em enredos de Paulo Barros, os sambas que acompanham seus desfiles possuem qualidade questionável. Aqui até temos a tentativa de criar uma rica letra, poética apesar de seu enredo duvidoso. O começo é promissor, em algumas passagens lembrando (ainda que vagamente) o belíssimo  "A Vila canta o Brasil celeiro do mundo (...)" de Martinho para a Vila em 2013. Esse início, apesar de difícil e de melodia pra baixo é de uma gratificante beleza. No entanto o samba se perde completamente no terço final comprometendo todo resultado e concluindo em um samba que carece de empolgação e por vezes extremamente chato. Contrariando alguns sites de Carnaval o classifico entre os piores do ano.  


"O Santo e o Rei - Encantarias de Sebastião"
Compositores: Moacyr Luz, Cláudio Russo, Aníbal, Júlio Alves, Pier e Tricolor
Intérpretes: Celsinho Mody e Nino do Milênio

TODO 20 de JANEIRO
NOS ALTARES E TERREIROS
PELOS CAMPOS DE BATALHA
UMA VELA PRO DIVINO
O IMPERADOR MENINO
UM SEBASTIÃO NÃO FALHA

NAS MARÉS, O DESEJADO
INFIÉIS PRA TODO LADO
ENFRENTOU A LUA CHEIA
NO DESERTO, UM GRÃO DE AREIA
DOM SEBASTIÃO VAGUEIA
SEM FUTURO, NEM PASSADO… (LAIÁ LAIÁ)

RENASCE SOB NÓS, UM CABOCLO ENCANTADO
NA PRAIA DOS LENÇÓIS, É O TOURO COROADO
VESTIU BUMBA-MEU-BOI
ATÉ MUDOU O FADO
NO COURO DO TAMBOR FOI BATIZADO

POEIRA, Ê! POEIRA!
PEDRA BONITA PÔS O SANTO NO ALTAR
SANGROU A TERRA, ONDE A PAZ CHOROU A GUERRA
MAS ELE VAI VOLTAR!

RIO, DO PEITO FLECHADO
DOS APAIXONADOS
RIO-BATUQUEIRO
OXOSSI, ORIXÁ DAS COISAS BELAS
GUARDIÃO DESSA AQUARELA
SALVE O RIO DE JANEIRO!
ORFEUS TOCAM LIRAS NA FAVELA
A CIDADE DAS MAZELAS
PEDE AO SANTO PROTEÇÃO
GRITO O TEU NOME NO CRUZEIRO
Ó PADROEIRO! TODA MINHA DEVOÇÃO!

NO MORRO DO TUIUTI
NO ALTO DO TERREIRÃO
O CORTEJO VAI SUBIR
PRA SAUDAR SEBASTIÃO


Análise
Um samba bem leve, sem no entanto ser raso. Algumas críticas o classificaram como samba de quadra, contudo, no meu enteder, possui força e potencial suficiente para segurar um desfile garantindo boa fluência da escola. O andamento um pouco mais acelerado do que os das demais gravações não incomoda, pois a letra pede por isso. O refrão final é candidato a agitar a Sapucaí e pulsar a escola na passarela.


"Tatalondirá - O Canto do Cabloclo no Quilombo de Caxias"
Compositores: Dere, Robson Moratelli, Rafael Ribeiro e Toni Vietnã
Intérprete: Evandro Mallandro

É PEDRA PRETA!
QUEM RISCA PONTO NESTA CASA DE CABOCLO
CHAMA FLECHEIRO, LÍRIO E ARRANCA TOCO,
SEU “SERRA NEGRA” NA JUREMA, JUREMÁ…

PEDRA PRETA!
O ASSENTAMENTO FICA AO PÉ DO DENDEZEIRO
NA CAPA DE EXU, CAMINHO INTEIRO
EM CADA ENCRUZILHADA UM ALGUIDAR

ERA HOMEM, ERA BICHO FLOR
BICHO HOMEM PENA DE PAVÃO
A VISÃO QUE PARECIA DOR
AVISANDO SALVADOR, JOÃO!

NO CAMUTUÊ JUBIABÁ
LÁ NA ROÇA A GAMELEIRA
“DA GOMEIA” DAVA O QUE FALAR
NA CURIMBA FEITICEIRA

OKÊ! OKÊ OXOSSI É CAÇADOR
OKÊ! ARÔ! ODÉ!
NA PAZ DE ZAMBI, ELE É MUTALAMBO!
O ALAKETO, GUARDIÃO DO AGUERÉ

É ISSO, DENDÊ E CATIÇO,
O RITO MESTIÇO QUE SAI DA BAHIA
E LEVA MEU PAI MANDINGUEIRO
BAIXAR NO TERREIRO QUILOMBO CAXIAS
MALANDRO, VEDETE, HERÓI, FARAÓ…
UM SARAVÁ PRA FOLIA
BAILAM OS SEUS PÉS
E PELO AR O BEJOIM
GIRAM PRESIDENTES, PENITENTES, YABÁS
CURVA SE A RAINHA E OS OGANS BATUQUEIROS PEDEM PAZ

SALVE O CANDOMBLÉ, EPARREI OYÁ
GRANDE RIO É TATA LONDIRÁ
PELO AMOR DE DEUS, PELO AMOR QUE HÁ NA FÉ
EU RESPEITO SEU AMÉM
VOCÊ RESPEITA MEU AXÉ

(RESPEITA O MEU AXÉ)

Análise
Boa escolha da Grande Rio para este ano de 2020. A escola que por vezes (muitas vezes) escorrega em suas obras, namorando com o mal gosto e até o piegas, desta vez apostou em uma letra carregada de simbolismo, forte e aguerrido do começo ao fim. Sambaço como há muito tempo não se via em Caxias, mas que perdeu um pouco de força na gravação. Penso que é o tipo de samba que pede uma bateria nervosa desde o início pra chegar mostrando ao que veio.


"Nas Encruzilhadas da Vida, Entre Ruas, Becos e Vielas a Sorte Está Lançada: Salva-se Quem Puder"
Compositores: Marcio André, Marcio André Filho, Rafael Prates, J Alves, Daniel, Marinho
Intérprete: Ito Melodia

SENHOR… EU SOU A ILHA
E NO MEU VENTRE ESSA VERDADE QUE IMPERA
QUE É INVISÍVEL ENTRE BECOS E VIELAS
DE QUEM DESPERTA PRA VIVER A MESMA ILUSÃO
E VAI TRABALHAR
ANTES DO SOL LEVANTAR DE NOVO
A VOZ DO RANCOR NÃO CALA MEU POVO NÃO
SOU MÃE DIGNIDADE É MEU DESTINO
ROGO EM PRECE MEUS MENINOS
AO LONGE ALGUÉM OUVIU
MEUS FILHOS SÃO FILHOS DESSA MÃE GENTIL

INOCENTES CULPADOS, SÃO TODOS IRMÃOS
ESSE NÓ NA GARGANTA VOU DESABAFAR
O CHUMBO TROCADO, O LENÇO NA MÃO
NESSA TERRA DE DEUS DARÁ…

EU SEI O SEU DISCURSO OPORTUNISTA
É A GANÂNCIA, HIPOCRISIA
O SEU ABRAÇO É MINHA DOR (SEU DOUTOR)
EU SEI QUE TODO MAL QUE VEM DO HOMEM
TRAZ A MISÉRIA E CAUSA FOME
SERÁ JUSTIÇA DE QUEM ESPEROU
O MORRO DESCE O ASFALTO E DESSA VEZ
ESQUECE A TRISTEZA AGORA…
É HOJE, O DIA DA COMUNIDADE
UM NOVO AMANHÃ, NUM CANTO DE LIBERDADE

A NOSSA RIQUEZA É SER FELIZ
POR TODOS OS CANTOS DO PAÍS
NA PAZ DA CRIANÇA O AMOR DA MULHER
DE GENTE HUMILDE QUE PEDE COM FÉ

Análise
Um samba um tanto pesado para a União da Ilha, muito mais afeita a obras leves ou com um tom de irreverência, que nesse ano ficou com a São Clemente. Algumas passagens carecem de criatividade, tanto melodicamente quanto na letra ("INOCENTES CULPADOS, SÃO TODOS / IRMÃOS" e "AO LONGE ALGUÉM OUVIU / MEUS FILHOS SÃO FILHOS DESSA /  MÃE GENTIL"). Este "mais do mesmo" acaba por torná-lo bem cansativo, um típico samba que não lhe dá desejo de ouvir repetidas vezes, mesmo com um Ito Melodia inspirado. Um enredo com bom potencial desperdiçado.


"Se Essa Rua Fosse Minha"
Compositores: Magal Clareou, Diogo Rosa, Julio Assis, Jean Costa, Dario Jr e Thiago Soares
Participação especial: Manolo, Beto Nega e W Machado
Intérprete: Neguinho da Beija-Flor

PRECEITO!
MINHA FÉ PRA SEGUIR NESSA ESTRADA
ODARA Ê! REINA FIRME NA ENCRUZILHADA
ABRAM OS CAMINHOS DO MEU BEIJA FLOR
POR ROTAS JÁ TRILHADAS NO PASSADO
O TEMPO DE TORMENTA QUE ESSE MAR LEVOU
REVELAM ESTE NOVO ELDORADO
NAS TRILHAS DA VIDA… DESBRAVADOR!
DESTINO TRAÇADO… VENCEDOR!
NOS BECOS DA SOLIDÃO
MOLEQUE DE PÉ NO CHÃO

E NESSAS ANDANÇAS EU SIGO TEUS PASSOS
SÃO TANTAS PROMESSAS DE UM PEREGRINO
É CRER NO MILAGRE, SAGRADOS VALORES
EM TANTOS ALTARES. EM TANTOS ANDORES

A VELA QUE ACENDE A DOR QUE SE APAGA
A MÃO QUE AFAGA SE TORNA CORRENTE

NILOPOLITANO EM ROMARIA
A FÉ ME GUIA! A FÉ ME GUIA!

EM MEUS DEVANEIOS
ENTRE O REAL E A IMAGINAÇÃO
SAUDADE PERSISTE,
INSISTE EM PASSEAR NO CORAÇÃO
FEITO UM POEMA A BEIRA-MAR
CANTO PRA TE VER PASSAR
ME VEJO EM TEU CAMINHO
NESSA IMENSIDÃO AZUL DO TEU AMOR
E ÀS VEZES, PERDIDO
EU ME ENCONTRO EM TUAS ASAS, BEIJA-FLOR
POR MAIS QUE EXISTAM BARREIRAS
EU VIM PRA VENCER NO TEU NINHO
É BOM LEMBRAR, EU NÃO ESTOU SOZINHO

LAROYÊ INA MOJUBÁ
ADAKÊ EXU ÔÔÔ
SEGURA O POVO QUE O POVO É O DONO DA RUA
Ô CORRE GIRA QUE A RUA É DO BEIJA-FLOR

Análise
Samba com cara de Beija Flor em seus melhores dias, com alguns pontos de novidade em sua melodia, mas que mantém a pegada que a escola nilopolitana está acostumada e que adora para promover seus rolos compressores. As construções valorizam a composição e um refrão forte que a comunidade cantará alto junto com a interpretação nítida de Neguinho: "NILOPOLITANO EM ROMARIA
A FÉ ME GUIA! A FÉ ME GUIA". As mudanças estéticas promovidas a algum tempo, não deram certo no último ano e talvez voltar ao modo de segurança, a começar pelo samba, tende a trazê-la novamente aos primeiros lugares. 


"O Conto do Vigário"
Compositores: Marcelo Adnet, André Carvalho, Pedro Machado, Gustavo Albuquerque, Gabriel Machado, Camilo Jorge, Luiz Carlos França e Raphael Candela
Intérpretes: Bruno Ribas, Leozinho Nunes e Grazzi Brasil

O SINO TOCA NA CAPELA E ANUNCIA
NOSSA SENHORA COMEÇOU A CONFUSÃO!
QUEM VAI FICAR COM A IMAGEM DE MARIA?
O BURRO VAI TOMAR A DECISÃO

MAS O JOGO ESTAVA ARMADO
ERA O CONTO DO VIGÁRIO
NESSA TERRA FÉRTIL DE ENREDO
SE APRENDE DESDE CEDO
TODO PAPO QUE SE PLANTA DÁ
DOM JOÃO DEU UMA VOLTA EM NAPOLEÃO,
FEZ DA COLÔNIA DOS MALANDROS CAPITAL
TRAMBIQUE, PATRIMÔNIO NACIONAL

TEM LARANJA!
“NA MINHA MÃO, UMA É TRÊS E TRÊS É DEZ!”
É O BILHETE PREMIADO VENDIDO NA RUA
MALANDRO PASSANDO TERRENO NA LUA!

HOJE, O VIGÁRIO DE GRAVATA
ABENÇOA A MAMATA,
LOBO EM PELE DE CORDEIRO
“TRAGO EM TRÊS DIAS SEU AMOR”
“LA GARANTIA SOY YO!”
“SÓ TRABALHO COM DINHEIRO”
CHAMOU O VAR, TÁ GRAMPEADO,
VAZOU, DEU SURURU,
TEM MARAJÁ PUXANDO FÉRIAS EM BANGU!

BALANÇA NA REDE
ABRE A JANELA, APERTA O CORAÇÃO
O FILTRO É FANTASIA DA BELEZA
NA VIRTUAL ROLETA DA DESILUSÃO

BRASIL, COMPARTILHOU, VIRALIZOU, NEM VIU!
E O PAÍS INTEIRO ASSIM SAMBOU
“CAIU NA FAKE NEWS!”

MEU POVO CHEGOU ÔÔ!
A MARÉ VAI VIRAR, LAIÁ!
NA GINGA, PRA FRENTE, LÁ VEM SÃO CLEMENTE
SEM MEDO DE ACREDITAR!

Análise
Muito longe de ser um primor de riqueza poética ou melódica, sua dose de irreverência acaba por destacá-lo. Na história, principalmente na década de 90, esse estilo foi abraçado por diversas vezes pela auri negra da Zona Sul e dentre as escolas do Especial, além dela talvez apenas a União da Ilha é que poderiam levá-lo para a avenida. Algumas passagens são um tanto clichês, porém em outras apresentam boas soluções. Não fica entre os melhores, mas está longe de comprometer o desfile. O refrão principal ("fake news") poderia ficar piegas, mas agrada tanto pelo lado crítico como pela levada cômica. 


"Pedra"
Compositores: Edson Marinho, Jorge Xavier, Júlio Alves, Jailton Russo, Ivan Ribeiro E Dudu Miller
Intérprete: Serginho do Porto

O PODER QUE EMANA DO ALTO DA PEDREIRA
TEM ALMA JUSTICEIRA TEM GARRA DE LEÃO
SENHOR NÃO DEIXA UM FILHO SEU SOZINHO
TIRANDO PEDRAS NO MEU CAMINHO

VAI SÃO CARLOS
À FORÇA DOS ANCESTRAIS
PEDRA FUNDAMENTAL DO SAMBA
BATALHAS E RITUAIS
PAREDES QUE CONTAM HISTÓRIAS
NA SEDE PELA VITÓRIA
SAGRADA, TALHADA, ENCRAVADA NO CHÃO
CONDUZ MEU PAVILHÃO

Ê RODA PRA LÁ, Ê RODA PRA CÁ
BRILHA NA ESTRADA SEGUINDO O CAMINHO DO MAR
“DE AMANTES”, DE AMORES, SEDUÇÃO E FANTASIA
A RIQUEZA DOS SENHORES DOS ESCRAVOS ALFORRIA

NO VERSO DURO A INSPIRAÇÃO
DA SERRA DO MEU PAI E MEU AVÔ
O TREM QUE LEVA A PRODUÇÃO
DAS MINAS A TINTA DO GRANDE ESCRITOS
VEM PENERAR, PENERAR
O GARIMPO TRAZ O OURO A COBIÇA DOS MORTAIS
PENERA, PENERA
VOU PRA LÁ PARAUAPEBAS NO PARÁ DOS CARAJÁS
DA LUA, DE JORGE, EU VEJO O PLANETA AZUL CHORAR
ATIRE A PEDRA QUEM NÃO TEM ESPELHO
QUERO MEU RUBI VERMELHO
PRA MINHA ESTÁCIO DE SÁ

Análise
Outro samba abaixo da média desta safra. Refrões bem aquém do que se esperava e letra com soluções muito simples, sem criatividade e pouco poéticas ("Ê RODA PRA LÁ, Ê RODA PRA CÁ / BRILHA NA ESTRADA SEGUINDO O CAMINHO DO MAR" e "DA LUA, DE JORGE, EU VEJO / O PLANETA AZUL CHORAR / ATIRE A PEDRA QUEM NÃO TEM ESPELHO"). A melodia também não acrescenta muita coisa. Não me parece um samba que segure um desfile podendo resultar em problemas de harmonia e evolução ao final da passagem da vermelho e branco. 

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