Por Allan Mahet
Pergunte a pessoas com cerca de seus 40 anos sobre que filme de sua geração consideram revolucionário e dificilmente terá uma resposta diferente de Matrix. O filme de 1999 apresentava uma série de conceitos filosóficos mesclados com referências a animes, games, inteligência artificial, mundo pós apocalítico e muitos outros sob uma estética até então única que após seu advento tornou-se exaustivamente replicada no cinema de ação, seja na trilha sonora, no figurino, nos efeitos especiais ou na narrativa.
Os dois filmes seguintes, ‘Reloaded’ e ‘Revolutions’, tentaram responder a expectativa gerada e apesar de não terem sido tão bem sucedidos (criticamente e não comercialmente) conseguiram de certa forma perpetuar a magia da história.
Passados 18 anos desde o último filme da trilogia original, agora com a direção apenas de Lana Wachowski, ‘Resurections’ nos leva novamente para esse mundo que tanto impactou a cultura pop no final do milênio passado e início deste. Contudo, essa nova imersão não parece ter plenamente atendido aos anseios do público, seja ele contemporâneo à trama e que preservam laços mais sentimentais à história, e não alcança os mais jovens cuja conexão aos filmes se dá por óticas distintas, afinal o mundo mudou consideravelmente desde então.
‘Resurections’ trata de acontecimentos posteriores ao sacrifício de Neo para derrotar Smith, conquistar a paz entre homens e máquinas e salvar Zion. O reboot do sistema, inicialmente mostrado em ‘Revolutions’, ressuscita ‘o escolhido’ física e mentalmente e agora vive sob a pele de um programador de jogos que conseguiu sucesso ao criar justamente ‘Matrix’. Esse exercício de metalinguagem começa interessante, captura a plateia, mas enfrentará um grande problema. Toda a sua história está ali, tida como fruto de sua imaginação e, obviamente, não como memórias de sua versão anterior, e quando uma perpassa a outra são consideradas como transtornos mentais e controladas mediante medicamento e terapia. Pode soar uma premissa demasiadamente forçada, no entanto para a geração Z, o mundo dos games tende a ter uma representatividade muito mais significativa do que, por exemplo, o cinema e usar isso dá um toque de atualidade e compreensão das mudanças do nosso mundo.
Trinity também foi ressuscitada, pois foi observado que os dois gerariam equilíbrio e aumento exponencial de energia para o sistema se fossem mantidos vivos, porém distantes dentro da simulação, o que justifica que a imagem residual digital seja diferente do eu físico e isso irá se apresentar como uma alegoria explicada mais a frente. A personagem de Carie Anne Moss, agora Tiffany, se apresenta como uma mulher casada e com dois filhos. Apesar da vida cíclica, igual a de Thomas Anderson, possui pensamentos que a incomodam e uma paixão por motos que a mantém, sob algum aspecto, conectada a sua vida pregressa.
A partir de uma ação de Thomas Anderson no game, um modal, torna possível que seja identificável dentro da Matrix e apto a ser resgatado novamente. Esse ‘poder’ de interferir na programação da simulação, e não apenas do jogo, não é tão bem explicado, mas no momento o filme ainda está lhe apresentando uma boa perspectiva com sua premissa que acabam justificando uma certa passada de pano nesse momento, mas é com o fim do primeiro ato que começam alguns problemas.
A excessividade na metalinguagem, na criação de alívios cômicos e no reforço das referências, mesmo quando óbvias, acabam por tornar-se, a partir de determinado momento muito mais cansativos do que satisfatórias e incomodam, muito, mesmo. O filme tem consciência de que se trata de uma continuação, o motivo pelo qual feito e o que deve apresentar ao público, mas essas informações aparecem em tão grande quantidade e de forma tão caricata que acaba tornando a ousadia em algo menos inteligente.
Algumas escolhas parecem preguiçosas e andam de mãos dadas com certa apatia do elenco, com exceção para a personagem da Bugs (Jessica Henwick). Esse desinteresse se reflete nas cenas de lutas e perseguições que ficam muito aquém das anteriormente apresentadas. Os planos fechados acabam por dificultar a entender o que está acontecendo e os cortes rápidos tornam as cenas menos ‘contemplativas’, por assim dizer. Pode ser uma tentativa de passar um sentimento claustrofóbico, mas a perda estética é significativa e decepcionante, mesmo para aqueles que tem a consciência de que não encontrariam neste filme o mesmo ritmo do restante da saga. A insistência em colocar Neo lançando mão do recurso de parar as balas por diversas vezes o torna gratuito e sua repetição a exaustão na perseguição próximo ao final do filme (com outro objetivo é verdade), faz a cena beirar a insignificância.
Óbvio que igualar o ineditismo do primeiro Matrix quanto ao espetáculo gráfico seria exigir muito (quanto a importância nunca existiu essa possibilidade), contudo o recurso para resgatar e explicar o bullet time pelo Terapeuta/Arquiteto dá certa vergonha alheia. São vários passos atrás, retrocedendo no aspecto tecnológico, causando uma enorme estranheza em uma franquia conhecida justamente pelo oposto.
Outro ponto negativo é sobre a construção de alguns personagens que passam longe de terem um objetivo e não edificam qualquer relação de importância, passando pelo filme apenas como um fan service raso ou sem conseguir atrair a empatia do espectador, e isso se reflete não apenas em novas figuras como a tripulação da nave de Bugs, mas também aqueles já conhecidos como Niobe, Merovíngio e até mesmo Morpheus e Smith.
Porém, enquanto algumas escolhas narrativas e estéticas podem ser questionáveis, várias proposições lançadas são bem positivas.
As opções pela evolução da cidadela humana após destruição de Zion em consequência a uma guerra civil das máquinas (rompendo o acordo de Paz apresentado anteriormente) é bem interessante, especialmente quando é mostrada que esta ocorreu por conta da interação ocorrida entre máquinas (sentientes) e humanos. Ou seja, o que antes era antítese agora é colaborativo. O que era binário agora é flexível. O que reflete a própria transição das irmãs Wachowski. E esse tema irá retornar por diversas vezes no filme, só que diferentemente de outras referências, aqui aparecerem de forma muito mais inteligente como por exemplo na imagem projetada de Neo e Trinity para nós espectadores (e para eles) e aquela que é vista pelos demais aprisionados. O que os outros veem e o que é para si mesmo.
A própria Matrix também ter passado por uma atualização, fugindo do verde ganhando mais cores e acompanhando as revoluções digitais e sociais das últimas duas décadas é importante para que, principalmente um novo público possa ser sentir ambientado e se reconhecer na tela. O auge da civilização não é mais aquele das conexões discadas e sim os dos smartphones. A expansão da tecnologia de captação de energia que identifica nas emoções humanas um potencial maior de geração de eletricidade traz um significado para a trama, a importância de se compreender o ser humano, o que é feito por uma máquina, mas carente entre nós. Uma crítica inteligente e bem colocada.
A escolha por se desprender da figura do escolhido, apesar de controversa, também representa uma evolução no sentido de compreensão do mundo atual. Nesse sentido permite que o salvamento ocorra pelas mãos de Trinity trazendo consigo novos papéis em um mundo de signos modificados.
É justamente na forma como a nostalgia e o novo são colocados na tela que a direção peca e ao final o que se tem é um filme que não consegue entregar o que se esperava dele em termos de resgate do conteúdo filosófico, essa discussão inexiste nesse filme, e não apresenta a ação impressionante e limpa esteticamente vistos nos primeiros filmes. Por sua vez as boas novas ideias oscilam na qualidade narrativa na qual são apresentadas e por serem novas não criam a ligação com a trilogia original. Esse quarto filme acaba ao mesmo tempo sendo dependente emocionalmente dos anteriores, mas descolado da essência que representa esse universo.
Difícil entender como a direção estando nas mãos da criadora original, possa ter tomado tal caminho. De certo que não seria a primeira vez, vixe George Lucas e a segunda trilogia de Star Wars e Steven Spielberg e seu ’Reino da Caveiro de Cristal'. Pode-se Encarar como uma crítica à produção do filme, que conforme retratado na própria película, foi um desejo do estúdio e contrariava as irmãs? Talvez. Soa um tanto pretensioso, mas nesse caso o estranhamento seria proposital. Se foi esse o objetivo é genial, um produto do sistema, mas contra sistema. Contudo, se não, Lana errou um pouco a mão, pois apesar de não ser um filme ruim, tende apenas em aumentar o estigma de ser um filme que será reconhecido com o tempo e o abrandamento das espectativas não atendidas ou apenas será mais uma vítima da excelência do revolucionário Matrix de 1999.
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